A rua está parca. Arame entre dedos altos. De nuvens bolçadas. Está calada frente à paragem de autocarro vestida apenas pelos horários azuis descrentes. É tarde para qualquer coisa que passe. Ainda assim espera-se. Espera-se. Espera-se. Porque é tarde para outra coisa qualquer.
Chega. Traz o corpo enguia num casaco andrajoso, cor de enlatados. Arrasta os pés como cadáveres de peixes amarelos. Chega com cheiro a sal e sangue rubro. E suor. Não me olha na paragem. Chega e senta-se erguendo o joelho direito, pousando-o sobre o joelho, rotundo, esquerdo. Sem rosto. Pousando a mão descascada, cheia de mapas negros, sobre o colo. Chega a olhar o céu, como se obra sua se tratasse. Admira-o, foca-o melhor entre as pontas dos dedos cheios, luas de terra. Estou na paragem como assinatura anónima. O sem rosto que chega e espera - quando já é tarde para coisa alguma - não me vê. Cheira-me. Subitamente, como uma quebra na gravação. Cheira-me com o nariz ainda alto. Depois olha-me devagarinho. Navega pela minha figura subitamente anã. Afasta-se um pouco anunciando que tenta ignorar. Os lábios tremem como carris, no pressentimento de palavras. Ignora. Não... Escorrega um pouco mais para o fundo da paragem. Insiste no céu. Não... Olha-me escandalosamente sem rosto. E torna a olhar-me. Já não me ignora. Abandona-me com nojo.