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sexta-feira, julho 25, 2008

Soho é o meu sonho mudo. Meu.
Começa fustigado pelos miados do miro. Atravessa-se no rio com o relógio alto a badalar-me. Nos dedos sempre os cabelos a crescer e enrolar-se. Ao fundo o sol é uma simples estrela à mesma distância que o Outono. Há um Anteros na praça que todos confundem com o irmão gémeo. E fotografam. O céu dito e desdito. Com nuvens desancoradas a passar passar. E o senhor-sem-abrigo na esquina, lábios e vestidos rosa, decalque de flores a cheirar à noite, os cabelos feitos enxames, o pedido paralisado nos lábios e nas mãos a segurar uma “Big Issue” envolta em plástico.
Decorado: dos senhores sem abrigo parte um rio ínfimo. Daquele-senhor-sem-abrigo, que dorme paredes meias com os girassóis como outro Gauguin, parte um S líquido, como sombra que se esqueceu de recolher com o amanhecer, como sombra-sem-abrigo. Os meus olhos envoltos em plástico. Soho a crescer fora dos parâmetros dos mapas. Com o mercado a arder. Com os relâmpagos do céu que passa com o convés rasgado, com o peito aberto. O senhor-sem-abrigo, esse que vive com os girassóis, canta quem lhe vive na rádio. Canta-me agora a Celine Dion, quando já o passei e o esqueci e agora me perco naquele mapa amachucado. Um coração com acentos e lojas off-license. Com o cabelo da Amy Winehouse ao longe, queimado por flashes e outras exclamações que hão-de aparecer mais logo nos papers.
Na rua mais bonita vivem as putas e as algemas e as histórias mal contadas atrás das cortinas vaivém. Na rua mais bonita, enegrecida a tabaco, todos estão de passagem, no momento cirúrgico em que nela colide o engano do céu, com a violência da Primavera.
No News Agent há chocolates Daim a 50p. O senhor-sem-abrigo dos lábios e vestido cristaliza-se na esquina à hora da queda. Os cheiros desprendem-se e são de comida chinesa, tailandesa, sempre orgânica e pronta a levar.
No mercado, o meu coração arde à chuva.
Os meus cabelos crescidos enrolam-se sem entendimento.
Na estação nunca ninguém reparou no coração insuflável a medir o tempo melhor que o sol, a derretê-lo na boca.

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