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quarta-feira, maio 18, 2005

História roubada I

O meu pai era alto, tão alto que do seu colo avistava a casa, onde quer que estivéssemos. Vigiava os rios, as ribeiras, era isso que ele fazia. Vigiava as águas para que se não tornassem gigantes e engolissem as margens. Alto, com os olhos rentes às nuvens que enxaguam, feitas trapos, os céus de Maio. Perguntava "Queres vir comigo?" E então eu corria ao pé da minha mãe para que me desse um beijo-cereja na testa e me arregaçasse as calças. Estendia a mão ao meu pai só para passar a porta. Depois largava, largava-me em corridas precipício. Corria demasiado à frente, demasiado longe, demasiado sorrido.
Dois sóis redondos a trocar-se no céu e as rãs a saltar como soluços. Dentro de água, demasiado à frente, demasiado. O meu pai alto a contar as porções de água, a vigiar as margens, era isso que ele fazia. As minhas pernas pintadas de terra e de lodo, de verde e castanho e verde, as calças a perder as margens que pai não via. A água estreita e gelada a estremecer-me. A saltar com as rãs, a espantar a estridência do sol cadente.
10, 20 , 31, 60 quilómetros e trepava ao colo do meu pai. Alto. Para chegar a casa. Vigiava as águas, dos rios, das ribeiras, das noites também. Para que não ficassem gigantes. Era isso que ele fazia.

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