Uma mãe queria que o seu menino fosse vestido de anjo na procissão a Nosso Senhor. De anjo dourado. Pintaram-lhe a pele com purpurina: rosto, mãos, braços, pernas, barriga, asas. O menino não reclamou. A mãe suspirou quando o viu passar: um anjinho dourado para o Senhor. O menino não reclamou. Sentia-se enjoado por causa do sol que se lhe reflectia nos olhos, mão, braços, pernas, barriga, mas não reclamou. Sentia o chão tonto e o sol demasiado dourado. Mas não reclamou. A mãe suspirou quando o viu passar. O menino passou. Não. O anjinho passou. Brilhante e fugaz, a cheirar a purpurina. Depois caiu ao chão. Amarrotou as asas douradas. O menino não conseguia respirar. Sentiram-lhe o pulso debaixo do sol demasiado grande e quente, o coração mal ritmado por causa dos reflexos da pele. O menino dourado, a debater-se com a purpurina e a auréola. Por pouco tempo. Brilhante e fugaz. Um anjinho. Para o Senhor.