A noite a tricotar-se dia. Lã e arder de estearina.
É porque mãe me acordou pelos cabelos. Abriu janela e corrigiu a pontuação do sonho que sonhava. Estava tudo errado: troca de tempos verbais a nú.
Eu a ganhar pulso.
É porque mana chora nas minhas mangas e eu nem sei que lhe diga. Visto-me à sua frente enquanto procuro novos verbos no tempo certo.
Pulso a acelerar-se.
É porque pai grita a querer que lhe imiscua palavras erradas num discurso que não é meu. (Corrige. Assim não. Corrige.)
É porque avós abrem silêncios à minha passagem quando sou demasiado nova e irascível para entender o que dizem.
Pulso a toldar-se comigo dentro.
O dia a desfazer-se na lã enevoada, a encher de janelas embaciadas a rua anódina. Arder dos candeeiros bocejo.
É porque mãe traz contos cheios de acentos e razão. Sem sentido. Eu a pedir que me deixe. Depois a gritar que me deixe. Já não tenho idade para acreditar em morais certas como as contas. Que me deixe.
Pulso anacrónico. A sentir o que não sinto.
É porque mana volta com os olhos cheios. E pai volta a fazer-me algo que não sou. E avós voltam com roupas que não me servem. E mãe volta com as frases imperfeitas.
Pulsação fraca.
Ou então é só porque estou triste. Mera tautologia.