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quarta-feira, dezembro 03, 2003

ao almoço
Para aprender alguma coisa lavo a louça. Arregaço as mangas e deixo a água correr sobre a banca, talheres, pratos e copos. Tenho as mãos quentes a passar por arestas redondas enquanto ouço avó falar de tudo, de nada. Avó a falar com avô, a falarem comigo. Sobre tudo, sobre nada. Alunos em capa negra protestam na televisão.
Avô: "No meu tempo, andava eu em Coimbra como polícia a vigiar as ruas, eles já eram malandros..."
Olho-o enquanto estendo um prato para que ele, pano turco na mão, o seque.
"Em Coimbra...?"
"Sim... Lembro-me de passar no metro e topar uns ao longe, na praça. Estavam a jogar à bola! Eu desci do metro e toca a ir a trás deles..."
"Mas porquê? Não podiam jogar à bola?" Minha mão queima na água, absorta.
"Oh rapariga! Na via pública? Jogar à bola era considerado desacato, um desrespeito à postura!"
"E..."
"E tinha de os autuar! oitenta e quinhentos cada um.. Mas eles fugiram!ziiiiiim Pernas para que te quero!"
Rio com os gestos encenados pelo avô. Avó está calada, fingindo indiferença, com mãos sobre barriga, a pensar no que deve dizer para contrariar. Como sempre. Por tudo, por nada.
Esponja amarela e verde a esfregar mais um prato. Desengordura. Lava espuma. O prato luz e água. Mãos à procura dos talheres em mais água.
"E apanhaste-os?"
"Não.. fugiram-me... Um ainda agarrei pelo braço: fiquei com a manga da camisa comigo! Fugiram-me todos mas identifiquei-os!"
Os pratos suspensos a escorrer. Eu desaperto o avental. Desço as mangas.
"Mas eles só estavam a jogar à bola..."
"Não pode ser! Jogar à bola na rua??? Não pode ser... Os malandros ainda disseram que me iam ter em atenção na queima das fitas, mas depois não fizeram nada..."
Pego nos cadernos a correr para sair para a universidade. Amanhã aprendo mais.

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