A segunda noite
A primeira noite foi no shopping. As paredes brancas encheram-se de sombras petróleo em corrida. A perseguir-me. Eram muitas e estavam armadas. Eu fugia de olhos rasgados. Soavam disparos e corpos em todos os corredores. Havia sangue. Eu fugia. Subia escadas e descia poços de elevador. Tudo dentro de quadros brancos com acentuações vermelhas. Eu fugi e acordei. Quarto rasgado pelo medo.
Hoje foi um acidente no início da minha rua sem saída. Havia ambulâncias e carros em migalhas. Vidros estilhaçados e gente contornada a sangue a errar no meu caminho até casa. A balbuciar coisas ininteligíveis. Eu fugi. De olhos fechados. Quando entrava no prédio cruzei-me com um pequeno. Disse "Olá" e... "Ah! Olha...". No momento em que me virava para lhe pedir que não seguisse o caminho da gente morta, encheu-se de fogo a porta de entrada. Fugi com ele para a rua que agora era jaula com barras laranja, insídias. Incontáveis os gritos. E o miúdo a querer fugir-me com a T-shirt acesa. Eu a persegui-lo, de olhos ardidos.
A passagem fez-se para uma casa imensa e verde louça. Com cicuta pelos cantos. Ofereceram-me uma faca. E depois caí ao chão porque havia lâminas a voar. Sabores doces a serem cozinhados ao longe e olhos fora da expressão a balançarem-se sobre mim. Eu rastejava em soluços a tentar fugir. De olhos abertos. Consegui. Porque eram horas de acordar.
Estou há horas a tentar deslindar-me...