Descalço e com farinha. Com farinha a desenhar os azulejos azuis, como sempre. Descalço, como sempre. Eram 5 da manhã mas ainda havia gente para quem eram 5 da noite. Oito apareceram por cá. Um deles bateu à porta (o de sapatilhas às tiras laranja que conhecíamos de outras ocasiões):
"Já há bolos?"
E entraram. Entraram e olharam. Eram oito, entre eles seis raparigas. Seis, com doze olhos. E eu descalço, de branco e cheio de farinha. Olhei muito mas acho não me viram. Para eles era muito tarde já para reparar em coisa alguma: 5 da noite. Os olhos embaciam-se de sono sem querer. Olhei e vi que pediram todos bolos. Arrastavam risos e a farinha com os pés nos azulejos azuis. Deviam ter acabado de sair de um bar qualquer, traziam tabaco nos cabelos e álcool implícito. Olhei sem me olharem e vi o que pediram :um bolo de chila, uma tarte de maçã, mexicanos e um estaladinho que nunca foi bem um estaladinho porque tem recheio (também se poderia chamar croissant não fosse o côco).
Pediram, disseram "obrigado" e "bom dia" e saíram pela porta. Os pés arrastando risos misturados com a farinha, misturados com o azul escuro que fazia lá fora.