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terça-feira, outubro 07, 2003

Os deuses vivem desde sempre em capelas, porque nas catedrais desde sempre viveram as imagens. Humanas. (Nunca soube dizer quem prefiro visitar)
Na capela celebrava-se a morte de alguém. " A passagem para uma vida superior", dizem, "junto a Deus", dizem, "melhor, acredita, ele está melhor". As pessoas são negras e estão a rebentar nas roupas e entre si. Não consigo passar da porta da capela. Espreito com o corpo fora, e ouço. O padre fala sem parar nas comoções. A D. Teresa chora como se conhecesse o morto, como faz sempre. Desta vez conhece-o.
Os olhares não se deslocam do altar. Está lá o padre e os deuses todos na sua boca. Os vitrais gorgolejam sol.
Há um miúdo que estende o olhar até à porta, de que eu não passo. Diverge a minha atenção. Depois levanta-se e sai. Passa por mim.
A missa permanece, de olhares concentrados. Vazio e choro. Apatia.
Há uma menina inquieta a falar sem parar. A falar baixo. Quer sair. Passa por mim, com a mãe pela mão.
A missa permanece dentro, de palavras redundantes e em coro.
Há um bébé a passar por mim no colo de alguém. Adormecido.
E a missa permanece escaldada nas velas, de perguntas e resposta remoinho.
Há um miúdo além que passa a correr. Contornou as inúmeras mãos sobre a púbis negra e saiu.
O meu corpo fora amplia agora os risos dos miúdos que se juntaram fora. Ao sol. Penso que sempre houve uma qualquer relação copiosa entre infância e morte. A grande consciência que foge das palavras permanentes.
Há um miúdo que não consegue passar os rostos voltados para o altar e me olha sentado num degrau de pedra. Com tanta vontade de sair.

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