"desculpa (...)
a solidão turva-se-me de lágrimas
e nas pálpebras tremem visões do meu delírio
olho as fotografias de antigos desertos
corpos coerentes que fomos
bocas de papel amarelecido
onde a sede nunca encontrou a sua água
e às vezes ainda tenho sede de ti
mas na vertigem da viagem o coração galopa desordenadamente
no écran da memória acende-se a imagem (...) que amei
(...)
pergunto-me se a memória não será um espaço arquitectado
para abrigar os mais terríveis remorsos e o futuro
(...)
tudo se perdeu
e na confusão do pouco tempo que me resta duvido
que nos tenhamos amado alguma vez
(...)
víamo-mos cada vez menos até que nos perdemos definitivamente
foi quando me assolaram as primeira visões
as nossas noites eram sempre mais longínquas uma da outra
(...)
eu já andava atravessando as noites
onde uma navalha oculta talhava um sexo branco no vento
abria nas pedras fulvas da praia um lugar para esconder
o corpo exausto
a febre esmagava-me
(...)
tinha medo
medo que certos hálitos fortes me fizessem estremecer
apesar de tudo avançava (...) sempre para me afastar
de ti e de mim o mais que pudesse
experimentei breves paixões tristes carícias
cantei com as lágrimas molhando as palavras sussurradas
no escuro do quarto cantava
a cidade de olhos entumecidos a fome entorpecia os gestos
atirando o corpo para o mais terrível abandono(...)"
(AL BERTO)
Não há acasos, Jo. Há magnetismos. Encontrei hoje o Al Berto. Talvez porque ele me vinha já buscando há algum tempo... Li este texto (adaptado e encenado) em Março de 2002. Esqueci. Hoje o dia gira e, estalo, encontro-o de novo. Já não me lembrava de quanto o sentira na altura... Ele ainda sim.