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sábado, setembro 27, 2003

O nome dela não é Amélia. Ela não é minha avó, nem sequer tem um fio de sangue que nos una. Tem os olhos clareados pela idade a extremar-se, com a íris orvalhada, verde. Ela tem os lábios desfeitos na antecipação de uma palavra. Desde pequena que corro para ela quando entra de surpresa na minha casa. Habituou-me com ovos Kinder e com um abraço demorado, fechado. Ela traz a virgem ao peito. Ouro e azul noite.
"Ela portou-se mal quando era nova", sopra a minha avó.
Minha mãe baixa os olhos discordando: "Apaixonou-se...."
"Andava com um homem casado; descobriram e puseram-na fora de casa!" continua a avó.
Mãe: " Não a mereciam..."
"Um dia, no autocarro, um general engraçou com ela..."
"Sempre pareceu uma actriz de cinema...", (mãe entre parentisis)
"...e tanto insistiu que amigaram. Ela juntou-se com ele... percebes?"
Percebo. A Amélia de olhos ainda escuros de pé no autocarro, acesa nos olhos de alguém. Sacos de compras em volta.
"Ele era muito mau com ela..." Intervala mãe.
"Ele um dia deu-lhe uma coça... levou-a para Sta Marta, a ela e mais à Maria! Tirou-lhe os brincos e bateu-lhe. Os brincos perderam-se. No dia seguinte Amélia foi procurá-los mas não os encontrou. O General acabou por oferecer-lhe outros." As imagens atropelam-se amachucam-se derrapam no tom insípido do discurso da avó.
A Amélia aninhada, joelhos abertos e brancos, à procura do ouro. De olhos naufragados.
"Os brincos são os que ainda usa! Gosta muito deles." Conclui a mãe.
Tamanha revelação no tempo de comer um prato de sopa. Eu chegara e apressava-me para sair. Perguntara por ela.
"Ela portou-se mal quando era nova", sopra a minha avó.

Eu nunca conheci o general. Estava já morto desde mim, desde o que me lembro de mim.
Na Amélia não percebia o calor que trazia no peito. Que se agarrava a mim quando a abraçava.

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