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segunda-feira, setembro 01, 2003

daguerreotipos ou formas de contar amigos

"De que serve um livro sem imagens?" perguntava Alice no seu país maravilhoso (e lembra-mo as aulas de História e Semiótica das Artes Visuais).
Eu hoje fui buscar quatro livros imensos à Universidade, emprestados pelo FP, cheios, gordos de imagens. Só têm imagens: linhas e entrelinhas, margens e bainhas descosidas. Imagens. Carreguei-os o caminho todo, quase a quebrarem-me a circulação nos pulsos. E pe(n)saram-me o caminho todo.
Se pudessemos tirar fotos a tudo, tudo ocuparia menos espaço. As imagens dos amigos soltas pelo quarto ocupam menos espaço que eles, e reportam fieis sorrisos, esgares, defeitos. Chegam a ser mais fieis que os momentos em que as tiramos (porque estávamos com demasiada pressa para reparar nos lindos olhos fechados!).
Tudo ocupa menos espaço cristalizado, sem se mexer. Sem calor.
Passei, por acaso, por uma daquelas máquinas de tirar fotos instantâneas. No compartimento metálico onde elas caem após espera suspendiam-se segmentos de um rosto moreno, feminino, de cabelos negros por um lenço que os envolvia. Parei com vontade de estender mão e levar comigo esse rosto, mais um, mas este diferente, porque desconhecido. Não ocuparia mais espaço que aqueles segundos medidos a centímetros. Quando olhei em frente o rosto olhava-me. E a história do filho no berço, das roupas andrajosas e escuras, do andar sem sorriso impressionou-me. Como luz invertida na água (com químicos, pronta a revelar papeis brancos).
Seria difícil encaixar o mundo em fotos. As perspectivas são demasiadas. Impossível. O mundo foi milimetricamente calculado para ter a menor espessura possível. Só o meu quarto cabe dentro do meu quarto.
Penso: por isso é tão efémera cada coisa que vemos.
Penso: o mundo todo arderia mais facilmente que uma biblioteca.
Abracei os livros como se fossem meus à medida que a mulher passava por mim.

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