"Deixa-me pentear-te o cabelo..." A minha mãe enxagua as mãos enquanto pousa o olhar desconsolado sobre as minhas madeixas incontornáveis. "Quando eras pequena tinha-lo sempre tão bonito!" Não sou "quando era pequena", e muito menos o é meu cabelo. Acedi porém. Suspiros e costas empurradas. Avó segui-nos até à casa de banho, também ela cheia de palpites. "Cabelos ondulados é com pente de dente fino!".
Eu sentada e mãe a passear-me as mãos pela cabeça. A tentar dominar os fios cheios de electricidade estática.
Meu cabelo já não é castanho claro e liso. Já não está comprido. Brincam comigo dizendo que é uma juba. Não é o mesmo. Mãe improvisa ditos. "Lembras-te de quando te penteava no fim do banho?..." Lembro. Víamos a Bia ("Bia á, bá ,bé...") à sexta-feira. Corríamos do banho em roupão azul para a sala para não perdermos um episódio. Eu e mana. Mãe também. Ana sorri encostada à ombreira da porta. Fora ela quem me cortara o cabelo muito incerto, que mãe não consegue agora controlar. Apesar da água e pente, apesar da paciência e gestos cheios, completos.
Ao cabo de uns minutos há expressões de desistência. "Não percebo". Olho-me ao espelho e ele ri-se de mim: meu cabelo parece feno, um descarrilamento de riscos.
"Sabes o que me apetecia?? Cortar-te cabelo rente e obrigar-te a deixá-lo crescer.. Como quando eras pequena!"
"Pois.. mas e agora?"
"Agora.. prende-o!"