A porta empurrada. Um homem entrava n"A Brasileira", todas as manhãs. Todas as manhãs escolhia mesa junto à janela, cruzava as pernas e pedia um café enquanto pousava o chapéu sobre o vidro riscado. Ajeitava o casaco, cinzento com a idade, olhava num relance a rua incessante. De gente com nomes ao peito. De pés e caminhos diferentes. Todas as manhãs abria o jornal quando o empregado se aproximava com a bandeja prata, com moedas, e dizia enquanto este lhe baixava o café à mesa, fixando a página da necrologia "Nunca vejo a minha a minha foto aqui!". Todas as manhãs demorava-se a nas fotos e datas terminais. Todas as manhãs, diz-se, acenava que "não" enquanto fechava o jornal, tirava uma moeda do bolso (às vezes duas, às vezes uma moeda e uma mortalha). Depois levantava-se. Todas as manhãs colocava o chapéu na cabeça e abandonava "A Brasileira" com passos cadenciados, distensos e mãos nos bolsos.
Uma manhã o jornal ficou fechado na mesa. A porta empurrada, mas não era o homem que entrava. O empregado chegou à mesa, abriu o jornal. Olhou de relance a janela. A gente incessante fora, fora dos nomes, nos caminhos intocáveis. A porta empurrada, mas não era. O empregado suspira, enquanto dobra as páginas. "Hoje que a foto dele aparece, não vem ele vê-la!".