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sábado, agosto 30, 2003

Há uma casa imensa nos meus sonhos. Recorrências?... É a ela que volto sempre.
Há salões gigantes e azuis éter no rés do chão, com claustros e gente, e crimes prestes a serem cometidos. Silêncios ausência, ecos nos corredores, e desejos estranhos, como conversas que não foram nunca acabadas.
Há água e o medo dela espalhado por todo o lado.
Gritos que não são senão sustos pregados, daqueles largados quando se brinca ao fantasma atrás das portas.
Não há escadas para outros andares porque seriam impossíveis de se subir.
Há um elevador inseguro. Que sobe vertiginosamente e me deixa ver a distância a que estou dos meus pés.
As pessoas empatam-se no elevador. Todas querem subir, todas se empurram e quase caem. Olham o relógio, resmungam, perguntam por mim, outras não acreditam (ninguém comenta em quê).
Há quartos quadrados, escuros.
Um que soluça.
Outro onde alguém vai buscar um casaco.
Outro varrido.
E outro onde de repente me vi esta noite, de pernas para o ar. Ou não... Inclinada sobre o lavatório a lavar os dentes, enquanto segurava o cabelo com uma mão, enquanto te falava com a boca. A água corria da torneira e desfocava. Falávamos e torcíamos a roupa que se molhava. Fundos de louça branca.

"while you are away
my heart comes undone
slowly unravels
in a ball of yarn
the devil collects it
with a grin
our love
in a ball of yarn

he'll never return it

so when you come back
we'll have to make new love "

(unravel, BJÖRK)

"Your memory torments me..." É o que ouço a meio da música. Está lá, nem que seja só para mim.

quinta-feira, agosto 28, 2003

nuvem escaldada de noite fria tem medo.

segunda-feira, agosto 25, 2003

depois de Liftoff
A primeira coisa era o palco. Estava vazio.
A segunda coisa era o Sílvio. Abandonado nos cadernos. A olhar. Eu a olhá-lo de costas.
A naufragá-las a tarde distensa pela relva encerada, com brilhos soltos, com acordes de jazz.
(O sol já sem artérias deforma as sombras)
Se eu soubesse escrevia como tu. E escrevia isto.
Enquadramento primeiro: Aquelas duas raparigas que dançam risos, descalças, nos braços uma da outra.
Enquadramento segundo: Aquele rapaz em tronco nú que grita um ponto de encontro voltado para nós.
Grande plano dos quatro olhos fechados daqueles dois que dormem alheios às horas.
E voltamos novamente aos rodopios daquelas duas raparigas que dançam risos, descalças, nos braços uma da outra.
(As sombras escorridas sobre o verde a imaginar que o tempo não tem pés nem cabeça)
Enquadramento da solução em mim daquele beijo dado pelos dois além. É o quinto.
Enquadramento sexto da rapariga deitada que se debate de mãos agarradas por um, dois amigos. E ri alto. Perdemos-lhe a cabeça no movimento.
E aquelas duas raparigas que dançam risos, descalças, nos braços uma da outra. A mais alta usa uns óculos de vidros grandes e castanhos. A pequena é castanha e tem cabelo em muitas tranças.
Risos, música de "Tom Waits, disseste?"... A relva a ficar fria da noite que desce. O sol deglutido.
Plano geral, travelling: o rio debaixo das árvores, as toalhas espalhadas, os corpos espalhados (alguns que se levantam já), ritmos e ideias suspensas.
Aquelas duas raparigas que dançam risos, descalças, nos braços uma da outra.
Se eu soubesse escrever como tu...
Plano nosso. O nono. "Não gostas do número Sílvio?"
A cena fecha connosco no nove.

domingo, agosto 24, 2003

Adormeço, mas mãos adormecem antes de mim. Tenho formigas espalhadas pelo corpo. Portas abertas, portas que fecham. Janelas fechadas. A luz arranha e sobe pelas paredes. Sonho com gatos rosa que me esgadanham. Há corredores que não páram no silêncio. Como sentimentos.
Tudo compreendido não passam de "sintomas de ansiedade". É o que sobra de quase uma semana vivida em Paredes de Coura.

domingo, agosto 17, 2003

"Deixa-me pentear-te o cabelo..." A minha mãe enxagua as mãos enquanto pousa o olhar desconsolado sobre as minhas madeixas incontornáveis. "Quando eras pequena tinha-lo sempre tão bonito!" Não sou "quando era pequena", e muito menos o é meu cabelo. Acedi porém. Suspiros e costas empurradas. Avó segui-nos até à casa de banho, também ela cheia de palpites. "Cabelos ondulados é com pente de dente fino!".
Eu sentada e mãe a passear-me as mãos pela cabeça. A tentar dominar os fios cheios de electricidade estática.
Meu cabelo já não é castanho claro e liso. Já não está comprido. Brincam comigo dizendo que é uma juba. Não é o mesmo. Mãe improvisa ditos. "Lembras-te de quando te penteava no fim do banho?..." Lembro. Víamos a Bia ("Bia á, bá ,bé...") à sexta-feira. Corríamos do banho em roupão azul para a sala para não perdermos um episódio. Eu e mana. Mãe também. Ana sorri encostada à ombreira da porta. Fora ela quem me cortara o cabelo muito incerto, que mãe não consegue agora controlar. Apesar da água e pente, apesar da paciência e gestos cheios, completos.
Ao cabo de uns minutos há expressões de desistência. "Não percebo". Olho-me ao espelho e ele ri-se de mim: meu cabelo parece feno, um descarrilamento de riscos.
"Sabes o que me apetecia?? Cortar-te cabelo rente e obrigar-te a deixá-lo crescer.. Como quando eras pequena!"
"Pois.. mas e agora?"
"Agora.. prende-o!"

quinta-feira, agosto 14, 2003

Há ditos que vêm e vão, como marés. Há palavras inofensivas, feitas de éter.
Astérias? São estrelas do mar.

domingo, agosto 10, 2003

pedras
Passava ontem na minha rua à noite (que é tão diferente da de dia!) quando vi um saco de lixo. Um saco de lixo que se contorcia como se fizesse digestão. O barulho do plástico e o plástico branco a olhar de olhos revirados para mim. O meu pensamento imediato foi tratar-se de alguma cria felina abandonada. Depois de uns segundos em suspenso continuei a andar. Provavelmente seria um ratito. Seria? Mas por que motivo me lembrei logo de um gato a precisar de mimo?
Gianni Rodari entreteve-se na década de 30 a anotar os mecanismos que o levavam a criar e alterar rumo de uma qualquer história que contasse. As palavras mexem connosco, são pedras lançadas à água (a metáfora é sua em a "Gramática da Fantasia"). São pontos de encontro de pensamentos incontáveis inenarráveis. Mas onde fui eu buscar o gato?
Cheguei a casa. Passei pela cozinha vazia e acesa no calor. Uma espiral de borboletas brancas a surpreender-me os gestos... e eu esqueci o gato.
Lembrei-me de sabão.

quinta-feira, agosto 07, 2003

A coisa mais ridícula que me podiam pedir hoje é sair para comprar velas para meu aniversário. Se eu nem faço questão de crescer...

terça-feira, agosto 05, 2003

Manhã ardida, uma mais. A luz parece entrar sem químicos, conservando superfícies quase transparentes, como fotos por revelar.
As pessoas falam baixo. Ele está dentro do ecran, dentro do ecran, a ferver imagens, dentro do ecran. Mas deixou de ser notícia. Espaços verdes e limpos (por reciclar!) sem labaredas seriam manchete. Os jornalistas já nem sabem onde se colocar nos directos para trazer mais perto dos espectadores o remoer das chamas. Na RTP1 as imagens são arrastadas ao som de piano dedilhado. Drama drama drama. E pessoas a gritar "SOCORRO" na SIC. E pessoas a falar baixo. Ele está dentro do ecran dentro do ecran.
Tomara não ouça.
Tomara não saia.
(Persignações e olhares sobre condados)

sexta-feira, agosto 01, 2003

A noite vai cair. Como pano de teatro. Como cortina de ferro a impedir que os incêndios em cena avancem sobre a plateia. Pede-se a todos que mantenham a calma. A noite há-de cair.
O sol arrancou-me ao que sonhava com estridência. Não era só o sol. Era quanto dele estava grávida. Electricidade a subir de tom nos fios das árvores. Espelhos baços, submersos, dentro dos olhos quando se olha o céu. Água branca como poluição.
Não se consegue fazer mais nestes dias que não derivar...

A
"E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos, ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros e nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa de televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teu
e sentar-me nos degraus e fumar até o teu vizinho chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até tu chegares a casa e preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te quando está ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender por que é que pensas que te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é que tu podes achar que que eu alguma vez te podia deixar e pensar em quem tu és mas aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de árvores anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e pensar por que é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir e chorar como um bébé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde a primeira vez que te pedi e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e esquecer-me de quem eu sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de alguma maneira de alguma maneira trasmitir algum do esmagador , imortal, irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e infindável amor que tenho por ti. (...)"
(SARAH KANE)

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